
A vontade de ser um dos alunos da escola já perdurava por 2 anos, mas, devido à grande procura, conseguir uma vaga era muito difícil. Raquel Andrea, mãe do menino, lembra-se da vez em que uma reportagem sobre a ELC passou na televisão, deixando Elion ainda mais empolgado: “Essa é a escola em que vou estudar”, exclamou com firmeza.
Hoje, seu discurso não carrega mais o tom de expectativa, mas o de orgulho, quando conta, pra quem for possível contar: “Eu estudo na Escola Livre de Cinema, lá em Miguel Couto”. A mãe conta que todas as vezes que passavam por pela Escola ele ficava “desesperado querendo entrar”. Até que, em um desses dias de visita, por coincidência ou não, as matriculas estavam sendo realizadas. Elion, então, logo se precipitou nas apresentações, chamando a atenção de todos, inclusive a de Veruska Thaylla, coordenadora do Bairro-Escola na ELC. “Oi! Tudo bom? Eu vim aqui porque eu sou desenhista e quero ser cineasta”, afirmou.


A dupla de mediadores já tem estratégias para lidar com Elion, caso ele resolva contar uma de suas histórias em algum momento em que a produção não possa parar. Basta lhe entregar uma folha de papel e um lápis. Dessa forma, nem ele, nem a turma deixarão de produzir. E é justamente onde ficam guardados esses objetos que Elion vai assim que chega na escola, perguntando logo se pode fazer uma historinha. “O castigo pra ele é tirar a televisão ou o desenho”, conta a mãe, sobre o fascínio de Elion por um canal de cultura.
Raquel tem que comprar, por mês, um pacote com 500 folhas de ofício para atender a demanda de novas histórias. O psicólogo de Elion, Patrick, aconselha que Raquel não impeça a produção delas, pois é a forma que o menino tem de extravasar seus sentimentos. Quando a mãe avisa que a quantidade tem que durar por dois meses, para economizar, Elion confecciona os “livretos”, que são feitos com as folhas cortadas em 2 ou 4 pedaços, utilizando todo e qualquer espaço em branco. Provas escolares, pedaços de agendas velhas e qualquer tipo de papel, são matérias primas para Elion, que também é responsável por grampear e contar as histórias posteriormente. Elas são baseadas nas ilustrações, sempre ricas em detalhes. Os textos são bem enxutos, porém os conteúdos dos episódios nunca são esquecidos pelo seu autor, que os conta exatamente da mesma forma, não importa o tempo que se passe.

A presença de objetos, construções e carros antigos, além de cenários em outros países, como Inglaterra e Egito, também são marcantes. “Ele fala que queria ter nascido por volta de 1800. Aí pergunta como era Nova Iguaçu naquela época”, explica a mãe, que não sabe de onde o filho tira tais interesses. “Ele fala que não gosta de modernidades”. Essa ligação com a beleza do passado e as tradições, influencia a forma com que Elion se expressa verbalmente. Basta conversar com ele por cinco minutos para perceber o vocabulário impecável do menino. “Meus colegas ficam fazendo pegadinhas, ficam falando errado. Eu queria ter nascido antigamente”, lamenta. “Eu sempre falei com carinho, mas nunca falei “nana” pra banana, “cocó” pra galinha”, justifica Raquel. Quanto às gírias e a linguagem dos amigos, Elion já planeja uma solução: também quer ser prefeito, para criar as leis da linguagem.
Mãe e filho têm um relacionamento de amigos. Raquel leva até bronca quando algum dos desenhos se perde. “Alguns eu não entendo, então penso que é lixo”, confessa, “Eu jogo fora algumas histórias quando ele está dormindo ou na escola”, conta ela, reclamando da falta de espaço para guardar as tantas páginas. Nas ilustrações, os personagens são facilmente reconhecidos. Os mais comuns, os primos Quenái e Guilherme, a mãe Raquel, Letícia (a menina com quem diz que vai se casar) e o próprio Elion, recebem sempre os mesmos traços e características. A auto-reprodução do menino traz sempre um grande topete. “Quando ele não está muito de bem com a vida demonstra logo na historia”, conta Raquel, mostrando algumas das expressões carrancudas desenhadas no personagem que representa Elion.
“Teve uma vez que ele já tava terminando um desenho, só faltava ele terminar, daí eu fui e rabisquei tudo”, confessa Thalia da Silva Soares, de 11 anos, dizendo ter agido por impulso. O caso fez com que Elion desatasse a chorar, tamanho o apego por suas criações. Porém, muito carinhoso, ele não pensou duas vezes ao perdoar a menina, que logo pediu desculpas, terminando o assunto com um aperto de mão. Thalia –que o conheceu no primeiro dia de aula, quando ele desenhava, e logo o pediu para que desenhasse um passarinho – conta que gosta dos assuntos trazidos por Elion. “Ele conta sobre os desenhos, sobre as verduras, sobre filmes e planos de filmagem usados neles”.

Os próximos planos de Elion incluem a compra de uma filmadora, para fazer suas histórias em vídeo – projeto para o qual moedas já estão sendo guardadas num porquinho – e levar seus desenhos do papel para as telas. “Agora ele cismou que vai fazer quadros”, conta a mãe. Elion já promete: “Eu vou fazer uma tela e você vai ver como vai ficar bonita, vai ficar igual da Tarsila do Amaral”.
Após seu primeiro desenho – uma reprodução da arca de Noé – na escola, aos 2 anos e meio de idade, Raquel escutou da professora de seu filho: “Isso aqui, na idade que ele tem, é um tesouro que vai ficar pro resto da vida”. E é como um tesouro que o talento do menino é diariamente recebido. “A gente dá muita atenção aos desenhos dele, porque realmente são muito especiais. Ele tem uma criatividade imensa”, garante a mediadora Carol, que atua na ELC há 1 ano e 6 meses.
Quanto aos filmes que vinham sendo produzido pelos alunos do Bairro-Escola, sobre os contos de Câmara Cascudo, é Elion quem garante: “Vocês precisam saber que esse dvd vai ser muito bom, todos vão gostar”, diz o desenhista mirim, que participou ativamente de todas as áreas da produção. “Bom, essa é a minha fala de hoje”, encerra ele.
Um anjo que Deus me deu!!!!
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